por Fabrice Fassio
Quando ele chegou na Alemanha em 1978, Aleksandr Zinoviev havia trabalhado por anos nos campos da lógica e da metodologia científica aplicadas a sistemas sociais. Sua pesquisa e experiência pessoais no mundo soviético lhe permitiram publicar muitas obras dedicadas a seu país e ao sistema comunista. Segundo Zinoviev, o comunismo se desenvolveu pela primeira vez na Rússia durante o período stalinista, e então implantou-se em outros países, na China em particular.
Esse modelo social difere profundamente de seu competidor, que nasceu na América do Norte e na Europa Ocidental entre 200 e 250 anos atrás. Por várias razões, que ele explica em sua obra, Ocidentismo: Ensaio sobre o triunfo de uma ideologia, Zinoviev prefere os termos “Ocidentismo” ou “Ocidentalismo” à denominação tradicional “capitalismo”.
Zinoviev certamente não é o primeiro teórico a tentar compreender a natureza do sistema social que é tão vigoroso nos países ocidentais contemporâneos. Em 1835, Alexis de Tocqueville, após retornar de uma viagem aos EUA, publicou o primeiro volume de uma obra que permanece relevante hoje, Democracia na América. Nesse livro, ele oferece algumas de suas reflexões sobre a sociedade americana, que tinha apenas algumas décadas de idade e estava se desenvolvendo diante de seus olhos.
Vinte anos depois, Tocqueville escreveu outra obra, O Antigo Regime e a Revolução Francesa. Esse livro é uma análise sociológica de grande profundidade. É, ademais, muito interessante ler este livro junto com os primeiros capítulos do livro de Zinoviev, que são devotados à história do Ocidentismo.
Quando Tocqueville escreveu, ele estava consciente de que o sistema ocidentista, que ele chamava de “sociedade democrática”, estava em processo de implantação na França, onde ela definitivamente suplantaria o feudalismo moribundo. A Revolução de 1789 apenas acelerou um processo inevitável. No início do século XIX, Tocqueville não apenas compreendeu que o futuro da França pertenceria ao Ocidentismo, mas ele também preveu o papel fundamental que os EUA desempenhariam no futuro em todo o mundo.
Quando Aleksandr Zinoviev escreveu, 150 anos após a publicação dos livros de Tocqueville, o Ocidentismo não estava mais em sua infância, mas havia há muito se implantado em diversos países; ele havia, ademais, conquistado uma importante vitória sobre seu concorrente, o comunismo europeu. É esse sistema triunfante que Zinoviev descreve sem fingir fazer um estudo exaustivo. Eu gostaria de apresentar um breve apanhado da teoria de Zinoviev, para mostrar o aspecto radicalmente inovador de sua idéia de Ocidentismo.
Os Três Pilares do Ocidentismo
O modelo ocidentista é o conjunto de traços ou características comuns a países ocidentais; essas características foram majoritariamente criadas pelas mesmas leis internas, o que explica as similaridades existentes entre o modo de vida de países tão geograficamente distantes como França, Austrália e Canadá. Em sua obra dedicada ao sistema ocidentista, Zinoviev afirma que este modelo sustenta-se sobre três “pilares”: os fatores econômico, comunitário, e humano.
O fator econômico apoia-se simultaneamente sobre as regras que governam o profissionalismo no trabalho e que lidam com investimento e a habilidade de lucrar. Profundamente ligado à iniciativa privada, o mundo ocidental é, portanto, um mundo em que a disciplina no trabalho é muito severo, e as empresas tem a obrigação de ser lucrativas se quiserem durar. O modelo ocidental de produção e distribuição de bens e serviços é um fenômeno muito específico, diferente do que existe em uma sociedade socialista. Nesta última, funcionários desempenhando uma certa atividade não raro ganham menos do que seus equivalentes ocidentais, mas eles definitivamente trabalham menos, realizam a mesma tarefa em números maiores, e possuem seu emprego garantido; quanto às empresas, sua sobrevivência não depende de sua habilidade de gerar riqueza.
O fator comunitário é um fenômeno comum a todas as sociedades compostas de milhares ou milhões de pessoas. A divisão entre líderes e seguidores, a hierarquia de líderes, a formação de castas e classes, a criação de uma ideologia, e o aparecimento do Estado como órgão responsável pela direção de diversos aspectos da vida social são fenômenos comunitários. O Estado é portanto um fenômeno comum a todas as coletividades humanas que alcançam um certo estágio de desenvolvimento, mas que assume diferentes formas segundo a natureza do organismo social que deve dirigir. A forma ocidental de Estado é tradicionalmente chamada “democracia parlamentar”. Coletividades humanas não pertencentes ao mundo ocidental criaram formas de poder diversas da democracia parlamentar.
O fator humano é manifesto nas atitudes coletivas dos membros de uma sociedade. Educação, cultura, ideologia, religião, e poder tem, entre outras funções, o propósito de regular a reprodução do material humano necessário para sobrevivência da coletividade. O individualismo, a iniciativa empresarial, o gosto pelo trabalho meticuloso, o instinto da poupança, e a habilidade de auto-organização são, entre outras, qualidades psicológicas que se desenvolveram em países ocidentais. A famosa “ética protestante do trabalho” desempenhou, por exemplo, um papel importante na formação do material humano nos EUA. Em outros lugares do mundo, as populações desenvolveram outras qualidades necessárias para a sobrevivência do organismo social ao qual pertencem.
O ocidentismo é um modelo que nasceu e se amadureceu no ocidente da Europa e em outros continentes que foram povoados por imigrantes europeus. Ele então se espalhou por diversos países do mundo para ocidentalizar outros povos que não raro opuseram uma feroz resistência. No século XIX, a criação de impérios coloniais pelas potências europeias foi a manifestação dessa expansão. Hoje, essa expansão assume formas diferentes que as do passado, mas ela continua, na Rússia por exemplo.
A Questão do Futuro
Nos últimos capítulos de sua obra, Zinoviev propõe a questão fundamental do futuro e suas previsões relativas a ela. Nós temos aqui um exemplo dos princípios metodológicos que Zinoviev elaborou quando ele trabalhou em Moscou.
Na sociologia, a previsão é possível apenas sobre a base da análise do presente. Quando o pesquisador analisa uma certa sociedade, ele ressalta tendências (leis) que atuam no presente e que continuarão a agir no futuro se nada obstruir sua ação. Com base nessas leis, o pesquisador pode construir um modelo de um “futuro possível”. Como Zinoviev destaca ao fim de sua obra, o futuro não está inscrito fatalmente no presente.
A Face do Futuro
Antes de concluir seu estudo devotado ao Ocidentismo, Zinoviev lista algumas leis internas que determinarão o futuro, se nada ocorrer para obstruir sua atuação. Eu gostaria de focar em duas dessas leis.
Em primeiro lugar, Zinoviev observa que a estrutura da população ocidental está se modificando radicalmente. A proporção de pessoas empregadas na produção de bens e serviços diminuiu, enquanto o número de indivíduos exercendo sua atividade nas esferas de direção e administração do país, bem como nas esferas da ideologia e da mídia, aumentou.
Em segundo lugar, Zinoviev observa que as esferas da ideologia e da mídia estão reforçando seu poder sobre a população ocidental. Este último ponto é de grande importância.
Após a Segunda Guerra Mundial, os meios de comunicação e de informação – a imprensa, casas editoriais, rádio, e televisão – foram transformadas. Novas invenções técnicas, reforçaram elos entre diferentes tipos de mídia, e o crescimento do emprego nesse setor provocou um “salto qualitativo”. Em outras palavras, a mídia tornou-se uma esfera essencial da sociedade, bem como o meio privilegiado para a difusão de temas ideológicos entre o grande público.
Essa ideologia é composta por um conjunto de juízos e idéias construídas para moldar a consciência do indivíduo social. Entre os temas ideológicos difundidos pela mídia na Europa Ocidental nas décadas recentes, citemos por exemplo: o “juventudismo” (jeunisme), ou valorização extrema da juventude, a defesa do homossexualismo, os méritos da democracia, e da ecologia, e uma imagem estereotípica de países que resistam à influência ocidental. A ideologia ocidentista construi tabus que devem ser respeitados: por exemplo, a proibição de questionamentos relativos a imigração maciça para a Europa. Ela também fabrica “cultos de personalidade”, não raro fazendo com que indivíduos medíocres passem por seres excepcionais: as estrelas dos esportes, da política, e do show biz.
Um dos temas ideológicos contemporâneos ocupa um lugar central: a visão do modo de vida ocidental em geral, e do modo de vida americano em particular. Os livros mais vendidos, os principais filmes, e os shows de televisão, feitas nos EUA ou concebidos a partir do modelo americano, apresentam de um modo ou outro uma imagem de valorização do modo de vida americano.
A ideologia e cultura ocidentistas formam parte daquilo que os cientistas políticos americanos chamam de “soft power”. O “soft power” é extremamente eficaz hoje e sufoca, no sentido literal do termo, formas culturais originadas em outros países. As duas leis expressas no início desse capítulo tem reforçado sua atuação desde a segunda metade do último século. É portanto legítimo considerar que esse movimento se amplificará no futuro e que nós testemunharemos um crescente condicionamento ideológico da população ocidental. O “pensamento único”, construído para regular as massas e para criar uma consciência social padronizada, portanto, possui um belo futuro a sua frente.
Durante a Guerra Fria, Zinoviev me dirigiu uma carta na qual ele afirmava que estaria interessado em estudar o Ocidente, começando por analisar sua ideologia. Zinoviev percebeu a medida colossal do condicionamento das massas ocidentais; ele também sabia que a ideologia do Ocidente exerceu um efeito corrosivo sobre as classes superiores de seu próprio país. O “soft power” foi uma arma eficaz na luta contra a União Soviética. Esta entrou em colapso sem que os americanos tivessem que usar suas forças armadas, seu “hard power”. Um conflito extremamente sangrento foi então evitado. Sem rivais no cenário global, ao menos por enquanto, os EUA tornaram-se assim senhores do mundo, 150 anos após a viagem de Alexis de Tocqueville, primeiro teórico do Ocidentismo.